sexta-feira, 25 de maio de 2012

Cinema - nova temporada

Querido diário, São 23h e eu só penso em escrever aqui, tudo o que vi e vivi nesta noite. Acabei de ver a peça Cinema. Você se lembra que eu já tinha visto essa peça em Janeiro/2012 quando tudo ainda estava no processo de criação? E lembra-se como fiquei encantado com a peça? Pois bem, hoje, fiquei com raiva dos atores e do diretor, Anderson Aníbal. (Aqui é meu diário, posso escrever, né?) Sim, fiquei com raiva porque eles conseguiram fazer a peça melhor do que antes. Como eles conseguiram melhorar algo que já estava bom? Pronto, lascou! Agora a peça Cinema está melhor ainda. E quem já viu, tem a obrigação de rever e constatar tal verdade. Mas, vamos lá, tenho mais sentimentos a externar. Elizângela... Elisângela... queria eu que o meu maior problema fosse a questão ortográfica se meu nome é com S ou Z. Essa menina é fantástica! É a personagem, na minha opinião, que poderia aparentar maior tristeza, maior vazio. No entanto, ela descobriu o segredo de tudo. Por sofrer da memória, em um mundo em que somos obrigados a saber tudo, ser bom em tudo, Elisângela descobre que a verdadeira felicidade é esquecer. É viver o hoje! O agora! E na dor de viver seu esquecimento essa menina passa uma vivacidade, uma alegria, um comprometimento com os atores, com a cena, com o público que dá vontade de você sair da platéia e dizer: “Pelo amor de Deus, não lembre, não lembre. Fique assim. E me ensine a ser feliz com aquilo que necessariamente deve me bastar”. As cenas delas são um misto de fraqueza-fortaleza, dor-amor, leveza-profundidade. E a cena dela com o Bernardo deixaria Shakespeare com raiva de Anderson Aníbal e, Romeu e Julieta rancorosos de inveja. Ivan... Ivan... sua simplicidade dói. Isso mesmo! Dói por revelar a profundidade do humano. Acredito que Nietzsche aplaudiria você de pé, assim como eu o fiz. O que eu faria se tivesse 5 segundos? Interessante perceber como esse personagem de 5 segundos nos remete a problemática do tempo, do que fazemos com o tempo. E mais uma vez, como na outra crítica, cito Zygmunt Bauman, em Tempo Líquido. Obrigado Ivan por nos mostrar quão líquidas são nossas relações, como precisamos conversar mais com os “julitos” de nossas histórias. Obrigado Ivan por reconciliar nossa relação com o tempo e nos mostrar que 5 segundos bem vividos valem uma eternidade. Alguém percebeu que esse menino exala emoção num grau e numa exatidão sem igual? Meu Deus! Regina... Regina... você chegou agora (ao menos, a atriz Sofia Abreu não estava na primeira montagem que vi), no entanto, ela tem uma expressão...UAU! As marcações e colocações da história da perna amputada, foram sutis, sensíveis sem perder a realidade nem precisar ser trágico. E essa menina... desculpe-me, essa mulher revelava toda sua força na sua expressão e nas suas unhas vermelho-carmim. Sim, as unhas fortes, marcantes faziam contraponto com a dor, a leveza, a ingenuidade outrora apresentada pela personagem. Orlando... Orlando... não posso mais dizer que era só um rosto bonito na peça. Já disse para ele quão surpreso fiquei na primeira vez em que o vi em cena. Porém, dessa vez vi um menino crescendo, vi um menino-homem no palco. É sério! Tem horas que você quer cuidar de Orlando, cuidar da dor dele. Interessante ele ser um enfermeiro que cuida dos outros, dos doentes. Mas ele é tão doente, tão frágil e, certamente outro segredo, por isso consegue cuidar, ser forte. (Ai, que minha raiva por esse Aníbal só cresce). Para mim, ressalto a dor vivida por Orlando ao recolher os colchões já no final da peça como uma cena ímpar. Colchões? Não. Ele recolhia os pacientes, as mortes, as dores tantas vezes vividas pelos pacientes dele. E também as dores dele mesmo! Bernardo... Bernardo... alguém já te disse que você é a Fernanda Montenegro de calças? Meu Deus! Como alguém consegue passear pelo cômico, pela tragédia, pela alegre-leveza, pela profunda-dor... como alguém consegue ser tão inteiro no palco como você? Mais uma vez, deu vontade de sair da plateia e tocar em ti: “és real?”, “és meu irmão?" Sim, porque parece tão real que chegamos a pensar se não é a dor que assola um parente próximo, um conhecido, alguém com quem convivo, aqui, do meu lado. Sem falar a vontade que dá em tirar meu coração e te dar. E dizer: “Viva, menino-homem. Viva ingenuidade sofrida, amedrontada! Viva, aquele que tem muito a nos ensinar.” O mais novo dos personagens, mas ouso dizer que o maior de todos. A cena dos colchões justapostos, e Bernardo em baixo dele, foi uma das mais belas. Sim, os colchões formavam um coração. Percebeu? E justamente Bernardo ali, embaixo, sufocado por um coração (o seu, o coração que chegaria, e o coração-colchão). O cenário, a iluminação estavam perfeitos. Muito simples e, ouso dizer que, a primeira lembrança que me veio a cabeça foi Dogville de Lars Von Trier em que o cenário eleva-se à categoria de personagem e contracena com os outros. Ainda bem que viemos aqui para conversar, ne? Estamos aqui para conversar, ne? Não estamos? Então, sugiro. Vá ver Cinema. Porém, vá preparado para um diálogo profundo, silencioso, intrigante que você fará com consigo mesmo, com sua história, com os personagens. E permita-se conversar com a pessoa do lado (depois da peça, lógico) sobre o que você faria se tivesse 5 segundos. Ah, e não esqueça de atentar para a metáfora do coração transplantado. Essa cena é linda e parece durar mais do que 5 segundos... Querido diário, preciso dormir. Pois tenho muitas pessoas para conversar em 5 segundos de eternidade a partir de amanhã. Cinema Texto e direção: Anderson Aníbal Com Brunno de Lavor, Daniel Barros, Elilson Duarte, Hermínia Mendes, Jorge Féo, Paulina Albuquerque e Sofia Abreu e mais: Bárbara Ferraz, Pepê e Peu Queiroga De 23 de maio a 03 de junho de 2012, de Qua a Dom às 20h30 Teatro Hermilo Borba Filho. R$ 20,00 (inteira) R$ 10,00 (meia entrada) Quartas e Quintas Preço Promocional R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 (meia entrada)

3 comentários:

  1. o espetáculo é lindo, e ainda fica mais lindo (se é que é possível) através do olhar de pessoas sensíveis.

    só pessoas sensíveis captam tudo isso.

    parabéns, luiz, pelo olhar e pela energia de sempre.

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  2. Lindo texto, Luiz.
    Parabéns pela arte de utilizar as palavras!

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  3. Nossa, Luiz!
    como já disse: lisonjeado e feliz! Esse é o sentido do trabalho, que as pessoas sejam preenchidas, modificadas; que as pessoas nos preencham, nos modifiquem. Isso acontece conosco, não é?! Muito bom saber das suas impressões, dos seus sentimentos. Parabéns pelo texto e pelo olhar.
    Muito obrigado!

    Fica na paz,
    Elilson.

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