segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O varal de casa





Mostre-me teu varal de roupas e digo quem és”. Parafraseando um conhecido adágio que começo relatando a experiência vivida ao ver a peça O varal de casa. Um espetáculo muito simples. No entanto, muito rico de poesia, de construção poética, de iluminação e cenário. O varal é ao mesmo tempo cenário e figurino. Isso foi uma grande sacada da direção. E dessa forma, cada peça pendurada naquele varal conta a história, faz um recorte das vidas dos personagens. Desde nascimento até as traições amorosas. Além do adultério, do incesto e do estupro. Assim, uma peça simples, rápida. Porém, densa, profunda traz no seu conteúdo as “mazelas” humanas vividas por muito tempo e em diversos lugares, inclusive num interior. São três atores em cena. Dois fazem papéis femininos (mãe e filha) e o outro, o pai. Acrescento que em determinado momento uma cena se repete. Pensamos estar confusos, essa cena já foi vista. Seria um erro? Não! Foi apenas uma maneira mágica, lúdica, plástica para falar da roleta-russa. Outra grande sacada da direção. O fipgurino dos atores bastante simples. Mas a maquiagem fez toda a diferença na construção de cada personagem. A vertente religiosa é muito bem explorada e retrata bem realidades de famílias dos interiores. O cenário, dessa forma, traz bastante elementos religiosos que envolve o palco e a platéia (para aqueles que tiverem um olhar mais aguçado!). Onde a religião é salvação, contudo é também perdição, arma. Arma essa que aparece na cena teatral. Ao final, da peça fica a pergunta: o que foi realidade e o que foi alucinação? Quem matou quem? E mais: O que meu varal de roupas fala de mim? Que história é contada em cada varal dessa cidade? É mais uma prova de que nossas vidas e histórias vão além de nossas falas e dos nossos pensamentos mas ganham concretude em tudo que somos e fazemos. Inclusive, no simples ato de lavar e estender roupas.

Fica a dica! A peça está em cartaz até 18/12 no Teatro Joaquim Cardozo. Sex, Sab. Dom. às 20h. Ingressos: R$ 10,00. Vale muito a pena ver uma peça tão rica, e talvez, tão pouco divulgada. Por isso, o blog está aqui para fazer esse papel.

5 comentários:

  1. Fiquei curioso sobre a iluminação também. O Paulo me falou que foi bem inovadora. Pena que não fui com vocês assistir. Ah, parabéns pela crítica, Luiz.

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  2. Deixo aqui as impressões de um mero espectador.


    Como leitor, vejo O Varal de Casa como um tipo de materialidade teatral dos tormentos. Somos feitos das marcas que habitam em nós. Cada personagem do Varal é uma fusão de marcas. Marcas de doces amores brutalizados pelo machismo que transforma a mulher e a família do patriarca em posse.
    Amargamente Mariano descobre que a morte física do outro não é a morte da memória. Eis porquê eu e você somos "nós". Ao que parece, a roleta russa é na verdade a expressão da brutalidade contra a dor de viver destruindo, passo a passo, a importância do outro na própria vida. Amores, sonhos, fé, prazer; tudo é mitigado a cada estourar do tambor de um revólver crucificante.
    Não há como não identificar Dona Laura, Alice e Mariano com uma simbióse, impressão esta que se retrata na cena inicial do parto. E não importa se isto se passa apenas na mente de uma das personagens. O desespero de Mariano o leva a apagar cada traço de dor de seus amores brutos, findando por apagar-se também. O Varal de Casa também fala da fuga de si mesmo.
    Quem assiste a superposição de micro-eventos no desenrolar das cenas onde o jogos de luzes parece dar uma arte-final à essa construção, poderia facilmente associar com as memória recorrentes de um trastorno obssessivo. Você já limpou alguma vez as suas cagadas? - O desespero de Mariano na face do ator, um misto de choro e pânico. Laura é a entidade do carinho por Mariano mas também aquela que se vê em cheque por ver seu amado ferir e estuprar sua pequena Alice, buscando uma resignação insuportável. Alice, por sua vez é a sede se sangue da vingança travesida de justiça, ou vice-versa. É também a mais submetida pois deve obdiência e amor à mãe e ao pai. Mas Alice, curiosamente é a questionadora e a mentora, como pode manter um amor contra um homem que dilacerou seus sonhos e passando por cima das dores da mãe e das dela também? - Chego a ver um conflito de identidades dentro de Alice.


    Mas quando penso que tudo se passa dentro de Mariano, me pergunto como ele poderia nutrir algum amor prórpio? É interessante que ele voltou para a casa onde viveu com elas. Aquelas paredes ficaram impregnadas assim como o ele, das sombras e espíritos de Laura e Alice. Sombras histéricas e deformadas.


    Vejo O Varal de Casa como um testemunho muito bem dirigido e bem interpretado das dilaceração do outro que opera em nossa cultura, essencialmente machista. Onde um indivíduo venha a conceber quase onipotente se tornando sua propria ruína.


    Meus parabéns a Willams Costa, Adilson Di Carvalho e Junior Foster e todas as outras pessoas envolvidas na produção do Varal de Casa.

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  3. Castillo, obrigado por vir aqui deixar suas belas impressões. E,assim, podermos discutir, partilhar nossas ideias e nossos olhares sobre a arte que nos toca, nos refaz e, ouso dizer, nos diz quem somos. Volte mais vezes! Construa mais vezes conosco. Abraços

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